Talvez o princípio de tudo, de qualquer coisa que surge ou morre, seja o acidente.
Aliás, o princípio de conservação de energia parece bastante insuficiente para explicar o essencial de qualquer coisa. Reconheço que tal princípio explica as condições para qualquer evento, mas ele não parece suficiente para explicar o próprio evento em questão.
Um exemplo: no alto de um penhasco há uma pedra equilibrada em pé que o simples peso de uma minúscula formiga é capaz de derrubar e destruir um carro numa estrada no sopé do penhasco. As condições do evento são perfeitamente explicadas pelo princípio de conservação de energia. Mas o evento em si só pode ser suficientemente explicado pela relação acidental da disposição espacial e temporal dos elementos da cena naquele momento, inclusive os mínimos. O evento está num nível de existência diferente das suas condições "conservativas" e tem sua própria realidade, sua própria autonomia.
O princípio de conservação de energia parece afirmar uma homogeneidade quantitativa em tudo, como se o fio de uma quantidade abstrata permeasse tudo através de trocas de quantidades iguais. Mas a qualidade, o "o quê" de tudo, aquilo que permite a tudo surgir e morrer, se gerar e se corromper, parece só poder ser explicado pelo princípio do acidente.
Não se trata de opor acidente e necessidade. Necessidade, determinação, acaso e acidente são a mesma coisa. Não faz sentido opor espontaneidade e necessidade, pois uma coisa nasce da outra intrinsecamente.
Nem considero neste texto a velha pseudo-explicação que diz que foi um espírito, duendes ou deuses, ou o destino ou o carma que fez a pedra cair sobre o carro. Simplesmente uma explicação assim é uma trapaça que inventa alguma entidade mágica antropomórfica puramente arbitrária extrínseca por trás ou por cima do evento. Teleologia é trapaça.
Humana Esfera, Outubro de 2010
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